domingo, 29 de novembro de 2009

A consciência de quem somos

“Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas, e apedrejas os que a ti são enviados! Quantas vezes quis eu ajuntar os teus filhos, como galinha ajunta a sua ninhada debaixo das asas, e não quiseste!” Lc 13.34

No primeiro capítulo do seu evangelho, o apóstolo João fala que o verbo se fez carne. A Palavra eterna, por meio de quem tudo que foi feito se fez se tornou carne, homem, e habitou entre nós. No capitulo 2º, verso 52, Lucas registra que Jesus crescia em sabedoria, estatura e graça, diante de Deus e dos homens. Deus, que se fez homem, não fez de conta que era homem, mas de fato, se tornou homem, e se submeteu a todos os processos de desenvolvimento cognitivo, crescimento físico, e até em termos de conhecimento de Deus, de sua graça, e de como ela se traduz na relação de si mesmo com os homens. Tiago afirma que Deus mesmo não tenta ninguém, e não pode ser tentado pelo mal. Mas o escritor aos Hebreus no capítulo 4º, verso 15, nos assegura que em todas as coisas, o grande sumo sacerdote Jesus, o verbo-carne, foi tentado, como nós, mas sem pecado. Jesus era, sempre foi, e sempre será Deus. Mas se fez homem. E como homem viveu. Mas viveu com a consciência de quem ele era. E isso ficou claro no seu choro por Jerusalém. Talvez esse seja o diferencial de que precisamos. A consciência de quem nós somos.
Na oração modelo, em Mateus nove, Jesus ensina a submissão à vontade do Pai pela expressão: “venha o teu reino, faça-se a tua vontade, assim na terra como no céu”. Esse é um entendimento que precisa ser impresso em nossa mente e coração, para a compreensão do nosso papel em vida. “Venha o teu reino, Senhor. Manifesta-o a nós. Faz-nos compreender os seus princípios. De modo que a tua vontade, na terra, seja cumprida por meio de nós, em todas as áreas de nossas vidas, assim como ela é cumprida no céu”. Ou seja, somos servos do reino, em vida. Esse é o nosso papel primordial.

“Mas todas as coisas provêm de Deus, que nos reconciliou consigo mesmo por Cristo, e nos confiou o ministério da reconciliação; pois que Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo, não imputando aos homens as suas transgressões; e nos encarregou da palavra da reconciliação”. 2Co 5.18-19

Somos servos do reino. Fomos incumbidos de levar/viver a palavra da reconciliação do mundo com Deus, porque ele amou o mundo! Ele amou o amigo infiel e traidor, o filho rebelde, o pai bêbado, a mãe negligente, o professor desalmado e descompromissado, o patrão opressor, o político ladrão, a polícia corrupta, o assassino, o estuprador... Deus amou o mundo! E por meio de Cristo, nos tornou instrumentos desse amor, à serviço do seu reino, para a reconciliação do mundo consigo mesmo, onde quer que estejamos, por meio do que estivermos fazendo, porque como muito bem colocou Arno Vorpagel Scheunemann, “palavra será Palavra se deixar de sê-lo, para ser vida (com rosto e coração)”.

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Ponto de Cultura

Ontem à noite fui ao Itaú Cultural, na Paulista, para o lançamento do livro Ponto de Cultura: O Brasil de Baixo para Cima, de Célio Turino, secretário de Cidadania Cultural do Ministério da Cultura (MinC). Célio, como ele mesmo se apresente no livro, é brasileiro, porque gosta “de não ter uma cara definida, os mil povos em um”; é radical, porque procura “desvelar o Brasil e assumir o risco de preparar o solo para acomodar outros tipos de raízes, que façam brotar um país como nunca se viu”; é utópico, porque sonha “com uma sociedade superior e sem que isso pressuponha modelos ou medidas pré-concebidas”; e comunista, porque procura “o Bem Comum e a partilha”. O evento contou com a presença de músicos amigos e duas companhias de Maracatu. Mas a atração principal mesmo, foi a fala do próprio Célio e sua emocionada leitura de alguns pontos do livro. Foi apaixonante ver sua paixão por gente, sua emoção em citar mazelas por ele vistas Brasil a fora, e sobre tudo, sua alegria e fascínio em comentar alguns pontos de cultura que se traduzem como agencias de transformação, tirando crianças e jovens das drogas, da violência, e gente de bem da fome e da falta de dignidade enquanto gente. Eu sou evangélico, e minha visão a respeito de missões vai além da busca pela “alma” do homem, sem considerar sua cultura, seu meio, suas necessidades físicas, mas também não se restringe à Teologia da Libertação, a visão católica de transformação do homem apenas por meio de transformação social. Missão Integral é a nossa proposta. É a proposta de transformação do homem integral, por meio da vivencia do evangelho integral, uma vez que quando se tenta vivê-lo parcialmente, não é o evangelho que se vive, de fato. Gosto da frase do Ariovaldo Ramos, quando ele diz: "A obra d'agente é o resultado daquilo que agente crê." O Célio tem mostrado no que ele crê, e quem obtiver o seu livro vai poder conferir. Veja este trecho do livro:

“Depois de detalhar o programa Cultura Viva, fiz alguns desenhos, mostrando a interseção de um Ponto com outro. Ele logo disse: “Você estudou tanto para chegar ao desenho do peixe”. “Peixe?”, perguntei. “Sim, o símbolo dos primeiros cristãos, a parte de um círculo cruzando outro”. De fato, tava tudo ali, na minha frente, e eu não havia percebido. A religião dos escravos e do bem comum unira gente com o mesmo objetivo, um ponto completando outro, o se compadecer pelo semelhante, a compaixão, o repartir o pão e a comunhão entre iguais.”

Bem, isso tudo me faz tornar a questionar a mim mesmo, não o evangelho, mas no que eu tenho crido! No que nós temos crido? No que a Igreja tem crido? Quais têm sido as nossas obras? Tiago disse que a fé sem obras é morta, não existe, de fato. É um delírio fanático, ou qualquer outra coisa, mas não é fé! Eu escolhi engolir o meu orgulho cristão, e procurar aprender alguma coisa, para o exercício da fé, com o Célio Turino, porque pra mim, no exercício da sua fé, ele me faz lembrar Cristo, o autor e consumador da minha fé.

Já está na coluna Frases Relevantes, mas nunca é demais repetir:
"Santidade só é santidade quando nos compele ao outro.”
Elias Binja

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Nova Lei Nacional de Adoção – Um fator Melquisedeque

Entra hoje em vigor a Nova Lei Nacional de Adoção. Seu principal objetivo é viabilizar uma aceleração ao processo de adoção ou reintegração da criança ou do adolescente à sua família de origem, de modo que eles não permaneçam mais de dois anos em abrigos de acolhimento institucional.
A Nova Lei enfatiza a responsabilidade dos órgãos públicos no cumprimento de seus deveres quanto ao direito de toda criança e adolescente à convivência familiar. Ficou determinado, por exemplo, que o Poder Judiciário deverá reavaliar o caso de cada criança ou adolescente em abrigos, a cada seis meses, sempre com o propósito de reintegrá-los às suas famílias de origem, ou encaminhá-los a famílias substitutas ou a programas de acolhimento familiar, no caso da primeira alternativa ser completamente inviável. Uma perspectiva de valorização da família pode ser bem observada no esforço da Lei em priorizar a reintegração da criança e do adolescente à sua família de origem, antes de qualquer outra possibilidade. Inclusive, os casos de encaminhamento de crianças e adolescentes a programas de acolhimento institucional por parte de sua própria família por questões de falta de condições financeira não será mais tolerado pelos órgãos públicos, antes, as crianças que já estiverem em abrigos serão reintegradas às suas famílias, que será imediatamente inserida em programas e serviços de apoio e promoção social. Nos casos em que a adoção for a melhor alternativa, o Poder Judiciário, junto com outros órgãos públicos, deverão oferecer às pessoas e casais interessados em adotar, uma preparação psicossocial, através de cursos ou programas de orientação, com propósito de estimular a adoção de crianças maiores de três anos e adolescentes, grupos de irmãos ou pessoas com deficiência, e de evitar a ocorrência de violação de direitos e abandono de crianças e adolescentes adotados por seus pais adotivos, como em um recente caso na cidade de Uberlândia, em Minas Gerais, que o ministério público condenou um casal ao pagamento de uma indenização por danos morais, a uma menina de oito anos de idade, correspondente a 100 salários mínimos e ao pagamento de pensão alimentícia até que ela complete a idade de 24 anos, por ter sido abandonada por eles, após um ano de adoção. No Brasil, os pais adotivos têm as mesmas responsabilidades e obrigações, em relação aos seus filhos adotivos, que têm os pais biológicos. E isso nos lembra alguma coisa?

“Pois vocês não receberam um espírito que os escravize para novamente temerem, mas receberam o Espírito que os adota como filhos, por meio do qual clamamos: Aba, Pai. O próprio Espírito testemunha ao nosso espírito que somos filhos de Deus. Se somos filhos, então somos herdeiros; herdeiros de Deus e co-herdeiros com Cristo, se de fato participamos dos seus sofrimentos, para que também participemos da sua glória”. Rm 8.15-17

“Mas, quando chegou a plenitude do tempo, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido debaixo da Lei, a fim de redimir os que estavam sob a Lei, para que recebêssemos a adoção de filhos. E, porque vocês são filhos, Deus enviou o Espírito de seu Filho ao coração de vocês, e ele clama: “Aba, Pai”. Assim, você já não é mais escravo, mas filho; e, por ser filho, Deus também o tornou herdeiro”. Gl 4.4-7

“Porque Deus nos escolheu nele (Cristo) antes da criação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis em sua presença. Em amor nos predestinou para sermos adotados como filhos, por meio de Jesus Cristo, conforme o bom propósito da sua vontade, para louvor da sua gloriosa graça, a qual nos deu gratuitamente no Amado”. Ef 1.4-6

Com certeza, os esforços pela unidade familiar e principalmente pela adoção responsável, são traços de Deus em nossa sociedade. Tiago diz que “Toda boa dádiva e todo dom perfeito vêm do alto, descendo do Pai das luzes, que não muda como sombras inconstantes.” (Tg 1.17).

Além da adoção em si, as suas características mais preponderantes, como a voluntariedade por parte do adotante, sua total responsabilidade quanto ao filho adotado e a vitaliciedade do ato, que estão bem impressas na Nova Lei Nacional de Adoção, manifestam a maravilhosa graça do Soberano Senhor em nossa cultura e Legislação.

“Todo aquele que o Pai me dá, esse virá a mim; e o que vem a mim, de modo nenhum o lançarei fora. Ninguém pode vir a mim se o Pai, que me enviou, não o trouxer; e eu o ressuscitarei no último dia.” Jo 6.37; 44

“Eu lhes dou a vida eterna; jamais perecerão, e ninguém as arrebatará da minha mão. O meu Pai, que me deu, é maior do que tudo; e da mão do Pai ninguém pode arrebatar. Eu e o Pai somos um.” Jo10.28-30

Aleluia! O Senhor reina sobre as nações.
A Deus seja toda a glória!

domingo, 1 de novembro de 2009

Mais que uma aceitação, uma conversão!

“E Jesus, passando adiante dali, viu assentado na recebedoria um homem, chamado Mateus, e disse-lhe: Segue-me. E ele, levantando-se, o seguiu. E aconteceu que, estando ele em casa sentado à mesa, chegaram muitos publicanos e pecadores, e sentaram-se juntamente com Jesus e seus discípulos. E os fariseus, vendo isto, disseram aos seus discípulos: Por que come o vosso Mestre com os publicanos e pecadores? Jesus, porém, ouvindo, disse-lhes: Não necessitam de médico os sãos, mas, sim, os doentes. Ide, porém, e aprendei o que significa: Misericórdia quero, e não sacrifício. Porque eu não vim a chamar os justos, mas os pecadores, ao arrependimento.” Mateus 9.9-13


Vivemos em tantas correrias, com tantas atividades que nos sugam tanto, as energias e o tempo, que mal conseguimos pensar em outras coisas que não as nossas próprias, os nossos compromissos, os nossos cursos, estudos, namoros, casamentos, negócios, nossas carreiras, etc. A verdade, é que estamos cada vez mais egocêntricos. Cada vez mais nos sentindo obrigados a nos concentrarmos em nós mesmos, e consequentemente, menos no próximo, ou em Deus, ou seja lá no que for. Mesmo nós, os chamados “cristinhos, ou pequenos cristos”, já que é essa a melhor idéia de definição do termo cristão! As nossas igrejas estão cada vez mais cheias. As nossas reuniões, cada vez mais configuradas por atrativos repletos de informação, inovação, distração e recursos motivacionais. É muito comum ver e ouvir pessoas dizendo o quanto gostam de ir “àquela igreja”, no final de semana, porque elas conseguem obter uma “recarga em suas pilhas” para enfrentar mais uma semana com mais correria, compromissos, cursos, negócios, transito... e a vida passa a encontrar seu sentido de ser, apenas nisso, na correria tresloucada, partindo sempre de uma insatisfação profunda para outra mais profunda ainda. E nós, mesmo nós, os “pequenos cristos”, estamos cada vez mais egocêntricos e indiferentes, cada vez mais descompromissados, cada vez aceitando mais, a idéia de uma vida religiosa – pelo menos nos finais de semana – em lugar de uma vida de seguidor-imitador do Cristo de Deus.
Mateus, o personagem do texto acima, era como a maioria de nós. Um trabalhador dedicado. Tão dedicado, que era até desprezado pelos seus, por sua tamanha dedicação. Ele trabalhava como coletor de impostos dos judeus, para Roma, embora fosse ele também um judeu. Mateus era o que se chamava de publicano, termo usado para um judeu funcionário do Império Romano, que era um governo estranho, autoritário, um invasor. Mateus era um traidor do seu próprio povo. Era um Judas, por assim dizer. Era cúmplice de Roma, na cobrança de altíssimos impostos do seu próprio povo, sendo que, de parte desses impostos ele se beneficiava, passando uma boa parcela do montante a ele pertencer. Como publicano, ele era renegado pelos seus. Era um indesejado. E Mateus tinha tanta consciência disso, que passou a ser chamado de Mateus, que é um nome grego que usava no lugar do seu verdadeiro nome, Levi, um nome judeu (Mc 2.14; Lc 5.27-28). Levi havia perdido sua identidade. Sua parte agora era com os pecadores. Aqueles... os considerados impuros, os gentios, os ladrões, as prostitutas, etc. Levi agora era um Mateus da vida!
Mas um dia Mateus encontrou, ou melhor, foi encontrado por Jesus, e nunca mais foi o mesmo! O texto sagrado diz que Mateus estava sentado na coletoria de impostos, quando Jesus, passando, o viu e o chamou, e ele, imediatamente, deixou tudo, como frisou Lucas, no verso vigésimo oitavo do quinto capítulo, e o seguiu. Eis a primeira prova da conversão de Mateus. Só alguém que tem uma experiência transcendente consegue fazer esse juízo de valor a respeito de si mesmo, da sua vida, e do novo pelo qual se viu alvejado. Eu creio que Mateus já era um sedento. Ele sabia que algo lhe faltava. Ele tinha dinheiro, mas isso não bastava. Ele nunca fora convidado por um rabino, antes! Ora, ele era um publicano! Ele não era nem visto! Mas naquele “Happy Day”, passando Jesus, o viu, e o convidou dizendo “segui-me”, e ele prontamente o fez.
A continuação do texto me impressiona ainda mais. Mateus não apenas assumiu, a custo de tudo, o compromisso de seguir a Jesus, como também se desprendeu de todo egoísmo no qual estava atolado. O povo vivia sob o pesado jugo de Roma, pagando exorbitantes impostos, e Mateus viabilizada essa injustiça com o seu trabalho, porque nada mais lhe importava, senão o seu próprio bem-estar, seu lucro, o seu enriquecimento, fosse ele justo ou injusto. Mas quando Mateus ouviu a voz do Mestre, o seu interior sofreu uma revolução. Ele não apenas aceitou ir com o Mestre, mas também se converteu aos seus ensinos e coração. Mateus aprendeu a compartilhar. E a sua primeira iniciativa registrada foi a de oferecer o que Lucas chamou de “um grande banquete” (Lc 5.29) em sua casa. Ele não poderia conter aquilo só para ele! Ele desejou compartilhar com todos os outros pecadores! Todos! A sua família, os outros inúmeros publicanos e impuros... Todos deveriam ter a chance de ouvir o que ele havia ouvido... De experimentar tão transformadora verdade. E enquanto os fariseus, que eram zelosos da religião judaica, continuavam julgando, questionando Jesus por assentar-se com os publicanos e pescadores, estes, estavam se permitindo ser transformados, e exatamente porque reconheciam quem eles mesmos eram.
Este é o nosso primeiro desafio. Reconhecer que não passamos de pessoas adoecidas pelo pecado do egoísmo, do amor à religião conveniente, da indiferença para com Deus e, por conseguinte, para com o próximo. É crucial que ouçamos a voz do Senhor nos chamando a segui-lo. Que entendamos que segui-lo implica em deixar tudo que nos embaraça a esta vida. Segui-lo implica não em querer que ele ande conosco, mas em andar com ele. Segui-lo é amar. E amar é servir, das mais variadas formas possíveis, inclusive, compartilhando com os outros, da maravilhosa voz que nos diz a todos: “Segue-me”.