domingo, 28 de novembro de 2010

A felicidade nossa de cada dia dá-nos hoje.

"Vendo as multidões, Jesus subiu ao monte e se assentou. Seus discípulos aproximaram-se dele, e ele começou a ensiná-los, dizendo: Bem-aventurados os pobres em espírito, pois deles é o Reino dos céus.” Mateus 5.1-3.

Alcançar a felicidade é a maior ambição do ser humano desde sempre. Todos desejam ser feliz. O dicionário Aurélio define felicidade como “Bom êxito; Sucesso”. Em outras palavras, a felicidade corresponde a um estado contínuo de satisfação plena. É uma sensação de prazer resultado de realização total, portanto, emocional, financeira, social, espiritual, e etc. Essa é a maior riqueza que qualquer pessoa pode ter. Na Bíblia, a palavra à qual o termo “felicidade” traduz é ashréi, do hebraico, ou makarioi, do grego. A expressão em hebraico pode ser entendida como marchar rumo a Iahveh. A expressão em grego é mais hedonista, embora também, inacessível ao homem, pois é geralmente usada para representar a felicidade dos deuses. O que nos permite pontuar que ser feliz, biblicamente falando, é estar inserido na felicidade do próprio Deus; é caminhar em direção ao Reino de Deus, ou dele ser parte. Em Uma Ortodoxia Generosa, Brian McLaren define o reino de Deus como “o sonho de Deus, o desejo, o anseio e a esperança de Deus para a criação – como as esperanças e sonhos dos pais para seu filho amado.” Portanto, considerando o ensinamento de Jesus vemos que Deus quer que nós sejamos felizes. Mas a felicidade não é fruto da conquista de coisas, de pessoas, de relacionamentos, ou status social ou econômico, e etc. A felicidade diz respeito ao modo como escolhemos viver o nosso dia-a-dia. Ao tipo de relacionamento que decidimos ter com nossos cônjuges, irmãos e irmãs, colegas de trabalho, com o nosso próximo de modo geral. Na verdade, para sermos felizes precisamos participar da felicidade de Deus. Precisamos comungar com os seus sonhos e ideais. Precisamos ser súditos legítimos do seu reino. Ser feliz é viver conforme a imagem de Deus, porque fomos criados à sua imagem, segundo sua semelhança. E como escreveu Ed René Kivitz em Outra Espiritualidade, “A vida de acordo com a imagem de Deus, entretanto, não é um lugar aonde se chega, mas sim o jeito como se vai. Mais importa a caminhada do que o ponto de chegada.” Jesus ressaltou no texto acima, que viver conforme a imagem de Deus é ser pobre em espírito, posto que a estes é que pertence o reino de Deus.
Neste ponto temos que atrelar uma realidade à outra. Felizes são os pobres em espírito. Certo dia, numa discussão sobre quem seria o maior dentre os que seguiam Jesus, o Senhor falou: “Portanto, quem se faz humilde como esta criança, este é o maior no Reino dos céus. Mt 18.4”. Algumas linhas depois, aqui em Mateus, achamos uma afirmação ainda mais contundente: “Deixem vir a mim as crianças e não as impeçam; pois o Reino dos céus pertence aos que são semelhantes a elas. Mt 19.14”. Ou seja, o pobre em espírito é aquele que se faz humilde como uma criança. Mas pra ficar um pouco mais claro, esta mesma discussão segundo o relato de Lucas nos brinda com uma sentença incrivelmente esclarecedora: “Pois aquele que entre vocês for o menor, este será o maior. Lc 9.48”. Quando Paulo escrevia sua primeira carta aos coríntios sobre seu chamado ele disse: “Pois sou o menor dos apóstolos e nem sequer mereço ser chamado apóstolo, porque persegui a igreja de Deus. 1Co 15.9”. A despeito de toda sua importância para a Igreja dos seus dias, que Paulo sabia que tinha, ele se fazia o menor dentre os que serviam porque tinha uma clara visão sobre si mesmo. Em Romanos 7.24-25 ele exclamou: “Miserável homem que eu sou! Quem me libertará do corpo sujeito a esta morte? Graças a Deus por Jesus Cristo, nosso Senhor!” Paulo sabia que sua autoridade para ser servo do reino de Deus entre os seus próximos vinha exatamente de seu alto-conhecimento. Vinha do fato de se reconhecer como um miserável pecador, por mais devotado e desejoso em obedecer que fosse. O apóstolo Paulo sabia que a sua esperança e redenção estavam apenas na misericordiosa graça de Deus, revelada naquele nos ensinou, ele mesmo, a perdoarmos ao nosso próximo tantas vezes quantas nós gostaríamos de ser perdoados. A perdoar sempre. 70 x 7. Porque isso é amar o próximo como a nós mesmos. Apenas uma conversa sincera com o espelho nos aponta o caminho em direção ao nosso próximo. Apenas essa conversa honesta com nós mesmos pode nos conduzir a um estado de alto-humilhação que nos permite amar com o cuidado e com a paciência com que Deus ama. E apesar de não se poder amar sem dor, sem muita dor, o caminho das pedras para a felicidade nossa de cada dia é esse. Porque felizes são os que tem a humildade de serem honestos consigo mesmos, ao ponto de se identificarem com a fraqueza do outro em misericórdia, pois destes é o Reino dos céus.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Um olhar pra trás

Ouvir os conselhos de Salomão é, não apenas um rico caminho para ser sábio, mas também, de antemão, uma demonstração de sabedoria. Aliás, já foi dito que ao que tem, mais se lhe será dado (Lc 19.26). Parar e “ouvir” as orações de Salomão, então, é como se deparar com um baú de tesouros.
Na oração de dedicação do Templo (I Reis 8.22-61), ele sai mais uma vez na vanguarda, demonstrando que sua compreensão a respeito de Deus vai muito além da compreensão de muitos de nós, mesmo depois de Jesus Cristo. Enquanto ainda, literalmente, mistificamos a figura dos nossos templos, e principalmente, do altar ou púlpito, Salomão já dizia:

“Mas será possível que Deus habite na terra? Os céus, mesmo os mais altos céus, não podem conter-te. Muito menos este templo que construí!” (I Rs 8.27).

O rei Salomão também faz menção do caráter santo e misericordioso do Senhor. E é facilmente possível ver seu raciocínio quanto ao favor de Deus demonstrado ao seu povo, no fato de não desistir deles, quando estes se afastavam dele por causa do pecado:

“Quando Israel, o teu povo, for derrotado por um inimigo por ter pecado contra ti, e voltar-se para ti e invocar o teu nome, orando e suplicando a ti neste templo, ouve dos céus e perdoa o pecado de Israel, o teu povo, e traze-o de volta à terra que deste aos seus antepassados. Quando se fechar o céu, e não houver chuva por haver o teu povo pecado contra ti, e, se o teu povo, voltado para este lugar, invocar o teu nome e afastar-se do seu pecado por o haveres castigado, ouve dos céus e perdoa o pecado dos teus servos, de Israel, o teu povo. Ensina-lhes o caminho certo e envia chuva sobre a tua terra, que deste por herança ao teu povo. Quando houver fome ou praga no país, ferrugem e mofo, gafanhotos peregrinos e gafanhotos devastadores, ou quando inimigos sitiarem as cidades, quando, em meio a qualquer praga ou epidemia, uma oração ou súplica por misericórdia for feita por um israelita ou por todo o Israel, teu povo, cada um sentindo as suas próprias aflições e dores, estendendo as mãos na direção deste templo, ouve dos céus, o lugar da tua habitação. Perdoa e age; trata cada um de acordo com o que merece, visto que conheces o seu coração. Sim, só tu conheces o coração do homem. Assim eles te temerão durante todo o tempo em que viverem na terra que deste aos nossos antepassados.” I Rs 8.33-40

Salomão faz uma oração de súplica, embora estivesse dedicando ao Senhor o templo mais belo e rico que ele poderia oferecer. A sua oferta não serviu de recurso para crescimento de seu ego, pelo contrário, serviu para uma profunda meditação junto a todo o povo de Israel, sobre quem Deus é, e em consequência, sobre quem, eles mesmos, eram:

“Quando pecarem contra ti, pois não há ninguém que não peque” (v.46a); “Perdoa o teu povo, que pecou contra ti” (v.50a).

Sua riqueza de consciência é notória mesmo depois de sua oração. Salomão se colocou perante o altar do Senhor e abençoou o povo em alta voz.

“E pôs-se em pé, e abençoou a toda a congregação de Israel em alta voz, dizendo: Bendito seja o Senhor, que deu repouso ao seu povo Israel, segundo tudo o que disse; nem uma só palavra caiu de todas as suas boas palavras que falou pelo ministério de Moisés, seu servo. O Senhor nosso Deus seja conosco, como foi com nossos pais; não nos desampare, e não nos deixe. Inclinando a si o nosso coração, para andar em todos os seus caminhos, e para guardar os seus mandamentos, e os seus estatutos, e os seus juízos que ordenou a nossos pais. E que estas minhas palavras, com que supliquei perante o Senhor, estejam perto, diante do Senhor nosso Deus, de dia e de noite, para que execute o juízo do seu servo e o juízo do seu povo Israel, a cada qual no seu dia. Para que todos os povos da terra saibam que o Senhor é Deus, e que não há outro. E seja o vosso coração inteiro para com o Senhor nosso Deus, para andardes nos seus estatutos, e guardardes os seus mandamentos como hoje.” (I Rs 8.55-61)

Salomão fez de um modo bem diferente do que a maioria dos cristãos tem aprendido a fazer em nossos dias. Ele não confundiu o seu papel com o de Deus. Ele não ousou declarar “Eu te abençôo assim, ou daquele jeito”, ainda que em nome de Deus. Muito pelo contrário, ele exaltou com gratidão a fidelidade do Senhor, em cumprir todas as suas promessas, e suplicou ao Senhor sua presença constante, bem como, seu favor de fazer o coração do povo sempre voltar-se a Ele. Pra terminar, Salomão ainda instruiu o povo a inclinar seus corações em integridade ao Senhor, como quem lembrasse que o favor do Senhor deveria ser desejo deles também. E isso foi o bastante.
Acho que agente precisa olhar mais pra trás. Acho que olhando mais pra trás, agente terá mais êxito enquanto seguimos pra frente.