Embora o termo
“evangélico” seja encontrado na Patrística e na Reforma, ele adquire um
conceito mais claro e se torna um movimento na Inglaterra, na segunda
metade do século XVIII e primeira metade do século XIX, culminando com a
organização da primeira Aliança Evangélica em 1847. Resgatando uma
herança que vem de Wycliffe, no século XIV, chegando até os Avivamentos,
passando pela confessionalidade reformada, o puritanismo e o pietismo,
deságua no movimento missionário do século XIX, do qual foi a sua
proposta principal. A escatologia do movimento missionário ou era
posmilenista ou amilenista, com clara opção por uma participação social e
uma influência histórica.
J. I. Packer destaca como marcas do evangelicalismo:
1. A Autoridade das Sagradas Escrituras;
2. A Pecaminosidade da Raça Humana;
3. A Expiação por Cristo na Cruz;
4. A Necessidade de Conversão, ou experiência de Novo Nascimento;
5.
O Mandato Missionário Imperativo para todos os Cristãos. No contexto
inglês do século XIX, se poderia acrescentar um sexto item: a
Responsabilidade Social.
Evangélicos no Brasil
As
missões protestantes históricas que se estabeleceram no Brasil entre
1855 e 1901 foram todas marcadas por uma identidade evangélica, o que
significava um alto grau de consenso teológico, a despeito de diferenças
periféricas, como sentido e forma dos sacramentos/ordenanças ou formas
de governo eclesiástico. Esse consenso foi mantido entre as igrejas
históricas brasileiras por mais de um século. Ele foi reforçado com a
reação do Congresso do Panamá, de 1916, a equivocada decisão do
Congresso Ecumênico de Edimburgo, de 1910, de excluir a América Latina
do esforço missionário, por se tratar de um “continente cristão”. No
Panamá se reafirmou a necessidade de se evangelizar – e em unidade – a
América Latina com seu cristianismo nominal e sincrético. Por alguns
anos uma entidade produziu um material de Escola Bíblica Dominical para a
maioria das denominações, reforçando esse lastro comum, também
implementado pela teologia do que se cantava nas igrejas, a partir do
primeiro hinário, o “Salmos e Hinos”, compilados pela pioneira
congregacional Sarah Kalley.
O principal instrumento de
identidade e unidade desse período foi a Confederação Evangélica, que
funcionou como importante elemento aglutinador e representativo do
protestantismo nacional entre 1934 e 1964.
O dissenso
protestante começa com a chegada do pentecostalismo de vertente “branca”
(isolacionista, pré-minilenista/pré-tribulacionista) nos anos 1910, já
refletindo as controvérsias norte-americanas da época, a partir do
fundamentalismo, que começou como um movimento confessional em reação ao
Liberalismo, mas, que, posteriormente, degenerou em uma ideologia
sectária, anti-intelectual, e, até racista. O fundamentalismo inicial
tinha as mesmas ênfases do evangelicalismo inglês dos séculos
anteriores, adicionando-se os milagres e a segunda vinda.
A
presença do liberalismo no Brasil foi muito periférica, e a do
fundamentalismo, posterior e lenta (embora fundamentalismo e
evangelicalismo compartilhem de doutrinas básicas comuns). Como a
América Latina, a maioria das igrejas brasileiras optou por não se
envolver com os três Conselhos Ecumênicos mundiais, mas foram afetadas
pelas tensões ideológicas da Guerra Fria, e muito afetadas pelo ciclo de
regimes militares no continente.
A Fraternidade Teológica
Latino-americana (FTL) surge no início dos anos 1970 como uma escola de
pensamento evangélico tomando o continente e seus problemas a sério e em
abertura para a contribuição das Ciências Sociais. Nos Estados Unidos,
no pós-Segunda Guerra Mundial, surge o movimento neo-evangélico como
reação moderada aos exageros do fundamentalismo, editando a revista
“Christianity Today” e motivando a realização do Congresso de
Evangelismo de Berlim, 1966, gênese do que seria, a partir do evento de
1974, o Movimento de Lausanne, inicialmente não bem recebido no Brasil,
por ser considerado avançado demais pelos conservadores e moderado
demais pelos avançados.
A Confederação Evangélica havia
sido fechada durante do regime militar e ficamos muitos anos sem um
órgão aglutinador e promotor da unidade. Os congressos brasileiros e
nordestino de evangelização irão sinalizar um novo tempo, que se
desdobra com a criação da AEvB (Associação Evangélica Brasileira), que
marca época, mas sofre uma crise insanável em decorrência da
personalização da sua liderança, criando novo vácuo, em uma igreja já
marcada por uma amnésia histórica, com a Escola Dominical enfraquecida e
a teologia evangélica dos hinários substituída pela vagas odes/mantra a
uma divindade monoteísta promotora de bênçãos individuais que marcam o
“louvor” atual, em um declínio do consenso, agravado pela chegada da
Teologia da Batalha Espiritual, da Teologia da Prosperidade e pela
fragmentação denominacionalista, com a racionalidade institucional cada
vez mais substituída pelas lideranças carismáticas caudilhescas e o
surgimento de “dinastias eclesiásticas”.
É com esse pano
de fundo que estamos criando a Aliança Evangélica, que se espera seja
uma herdeira atualizada e brasileira da Aliança Inglesa de 1847 e suas
marcas confessionais inegociáveis.
O quadro fracionado,
confuso e divergente do protestantismo brasileiro não faz prever a
criação de uma barca, onde caibam todos os bichos, mas de uma frotilha,
onde o nosso barco, de início modesto, pretende estar aberta aos
evangélicos, crentes e éticos, comprometidos com a identidade e a
unidade sonhada pelo Senhor da Igreja.
As ações do nosso
presente e os planos para o nosso futuro não poderão se dar sem a
fidelidade ao legado do passado. Revitalizar o evangelicalismo em
unidade, a despeito dos óbices da época (individualismo, subjetivismo,
relativismo, hedonismo) é a nossa tarefa, ajudando-nos o Senhor.
Nota
Artigo baseado na preleção do autor feita no 1º Fórum da Aliança Evangélica no dia 25 de novembro de 2011, em Brasília (DF).
Fonte: http://www.ultimato.com.br/conteudo/a-historia-dos-evangelicos
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