Pastor desabafa e se diz rompendo com ‘movimento evangélico’
O pastor Ricardo Gondim, da Igreja Betesda, anunciou em seu site, através de
um artigo, que está rompendo com o Movimento Evangélico. Narrando suas
experiências religiosas desde adolescência, quando abandonou o
catolicismo inquieto pelo que chamou de “dogmas” da igreja romana, o
pastor falou sobre o que o fez romper com a Igreja Presbiteriana e com a
Assembleia de Deus, exemplificando cada caso.
Agora,
se dizendo sem saber para onde ir, afirma que está querendo “apenas
experimentar a liberdade prometida nos Evangelhos” e que não abandonará
sua vocação de pastor e continuará servindo na Betesda.
Os
motivos listados por Gondim em seu artigo reclamam da transformação do
evangelho em negócio, e se diz “incapaz de tolerar” a transformação da
fé em negócio. “Não posso aceitar, passivamente, que tentem converter os
cristãos em consumidores e a igreja, em balcão de serviços religiosos.
Entendo que o movimento evangélico nacional se apequenou. Não consegue
vencer a tentação de lucrar como empresa. Recuso-me a continuar
esmurrando as pontas de facas de uma religião que se molda à Babilônia”,
acusa o pastor.
A
falta de afinidade com os grandes líderes evangélicos nacionais também é
colocada como uma questão de peso e decisiva para o rompimento: “Não
consigo admirar a enorme maioria dos formadores de opinião do movimento
evangélico (principalmente os que se valem da mídia). Conheço muitos de
fora dos palcos e dos púlpitos. Sei de histórias horrorosas, presenciei
fatos inenarráveis e testemunhei decisões execráveis”, afirma o pastor,
sem citar nomes.
Em
mais uma crítica direta à teologia da prosperidade, que tem sido
priorizada em diversas denominações, o pastor Gondim afirma que a igreja
se tornou inútil ao pregar essa mensagem: “No momento em que o sal
perde o sabor para nada presta senão para ser jogado fora e pisado pelos
homens. Não desejo me sentir parte de uma igreja que perde
credibilidade por priorizar a mensagem que promete prosperidade. Como
conviver com uma religião que busca especializar-se na mecânica das
“preces poderosas”? O que dizer de homens e mulheres que ensinam a
virtude como degrau para o sucesso? Não suporto conviver em ambientes
onde se geram culpa e paranoia como pretexto de ajudar as pessoas a
reconhecerem a necessidade de Deus”.
Um
texto publicado pelo jornalista Paulo Lopes, atribuído a José Geraldo
Gouvêa, ateu declarado, afirma que “Gondim não tem para onde ir, a não
ser os braços do ateísmo”. O autor do texto afirma se identificar com o
pastor, “uma espécie de Leonardo Boff evangélico”, fazendo menção ao
ex-frei e crítico ferrenho da Igreja Católica.
Confira abaixo a íntegra do artigo “Tempo de Partir”, do pastor Ricardo Gondim:
Não
perdi o juízo. Minha espiritualidade não foi a pique. Minhas muitas
tarefas não me esgotaram. Entretanto, não cessam os rótulos e os
diagnósticos sobre minha saúde espiritual. Escrevo, mas parece que as
minhas palavras chegam a ouvidos displicentes. Para alguns pareço vago,
para outros, fragmentado e inconsistente nas colocações (talvez seja
mesmo). Várias pessoas avisam que intercedem a Deus para que Ele me
acuda.
Minha
peregrinação cristã está, há muito, marcada por rompimentos. O
primeiro, rachei com a Igreja Católica, onde nasci, fui batizado e fiz a
Primeira Comunhão. Em premonitórias inquietações não aceitava dogmas.
Pedi explicações a um padre sobre certas práticas que não faziam muito
sentido para mim. O sacerdote simplesmente deu as costas, mas antes
advertiu: “Meu filho, afaste-se dos protestantes, eles são um
problema!”.
Depois
de ler a Bíblia, decidi sair do catolicismo; um escândalo para uma
família que se orgulhava de ter padres e freiras na árvore genealógica –
e nenhum “crente”. Aportei na Igreja Presbiteriana Central de
Fortaleza. Meus únicos amigos crentes vinham dessa denominação.
Enfronhei em muitas atividades. Membro ativo, freqüentei a escola
dominical, trabalhei com outros jovens na impressão de boletins,
organizei retiros e acampamentos. No cúmulo da vontade de servir, tentei
até cantar no coral – um desastre. Liderei a União de Mocidade. Enfim,
fiz tudo o que pude dentro daquela estrutura. Fui calvinista. Acreditei
por muito tempo que Deus, ao criar todas as coisas, ordenou que o
universo inteiro se movesse de acordo com sua presciência e soberania.
Aceitei tacitamente que certas pessoas vão para o céu e para o inferno
devido a uma eleição. Essa doutrina fazia sentido para mim até porque eu
me via um dos eleitos. Eu estava numa situação bem confortável. E podia
descansar: a salvação da minha alma estava desde sempre garantida.
Mesmo que caísse na gandaia, no último dia, de um jeito ou de outro, a
graça me resgataria. O propósito de Deus para minha vida nunca seria
frustrado, me garantiram.
Em
determinada noite, fui a um culto pentecostal. O Espírito Santo me
visitou com ternura. Em êxtase, imerso no amor de Deus, falei em línguas
estranhas – um escândalo na comunidade reverente e bem comportada. Sob o
impacto daquele batismo, fui intimado a comparecer à versão moderna da
Inquisição. Numa minúscula sala, pastores e presbíteros exigiram que eu
negasse a experiência sob pena de ser estigmatizado como reles
pentecostal. Ameaçaram. Eu sofreria o primeiro processo de expulsão,
excomunhão, daquela igreja desde que se estabelecera no século XIX.
Ainda adolescente e debaixo do escrutínio opressivo de uma gerontocracia
inclemente, ouvi o xeque mate: “Peça para sair, evite o trauma de um
julgamento sumário. Poupe-nos de sermos transformados em carrascos”. Às
duas da madrugada, capitulei. Solicitei, por carta, a saída. A partir
daquele momento, deixei de ser presbiteriano.
De
novo estava no exílio. Meu melhor amigo, presidente da Aliança Bíblica
Universitária, pertencia a Assembleia de Deus e para lá fui. Era mais um
êxodo em busca de abrigo. Eu só queria uma comunidade onde pudesse
viver a fé. Cedo vi que a Assembleia de Deus estava engessada. Sobravam
legalismo, politicagem interna e ânsia de poder temporal. Não custou e
notei a instituição acorrentada por uma tradição farisaica. Pior,
iludia-se com sua grandeza numérica. Já pastor da Betesda eu me tornava,
de novo, um estorvo. Os processos que mantinham o povo preso ao
espírito de boiada me agrediam. Enquanto denunciava o anacronismo
assembleiano eu me indispunha. A estrutura amordaçava e eu me via
inibido em meu senso crítico. A geração de pastores que ascendia se
contentava em ficar quieta. Balançava a cabeça em aprovação aos
desmandos dos encastelados no poder. Mais uma vez, eu me encontrava numa
sinuca. De novo, precisei romper. Eu estava de saída da maior
denominação pentecostal do Brasil. Mas, pela primeira vez, eu me sentia
protegido. A querida Betesda me acompanhou.
Agora
sinto necessidade de distanciar-me do Movimento Evangélico. Não tenho
medo. Depois de tantas rupturas mantenho o coração sóbrio. As decepções
não foram suficientes para azedar a minha alma, sequer fortes para
roubar a minha fé. “Seja Deus verdadeiro e todo homem mentiroso”.
Estou
crescentemente empolgado com as verdades bíblicas que revelam Jesus de
Nazaré. Aumenta a minha vontade de caminhar ao lado de gente humana que
ama o próximo. Sinto-me estranhamente atraído à beleza da vida. Não
cesso de procurar mentores. Estou aberto a amigos que me inspirem a
alma.
Então
por que uma ruptura radical? Meus movimentos visam preservar a minha
alma da intolerância. Saio para não tornar-me um casmurro rabugento. Não
desejo acabar um crítico que nunca celebra e jamais se encaixa onde a
vida pulsa. Não me considero dono da verdade. Não carrego a palmatória
do mundo. Cresce em mim a consciência de que sou imperfeito. Luto para
não permitir que covardia me afaste do confronto de meus paradoxos. Não
nego: sou incapaz de viver tudo o que prego – a mensagem que anuncio é
muito mais excelente do que eu. A igreja que pastoreio tem enormes
dificuldades. Contudo, insisto com a necessidade de rescindir com o que
comumente se conhece como Movimento Evangélico.
1.
Vejo-me incapaz de tolerar que o Evangelho se transforme em negócio e o
nome de Deus vire marca que vende bem. Não posso aceitar, passivamente,
que tentem converter os cristãos em consumidores e a igreja, em balcão
de serviços religiosos. Entendo que o movimento evangélico nacional se
apequenou. Não consegue vencer a tentação de lucrar como empresa.
Recuso-me a continuar esmurrando as pontas de facas de uma religião que
se molda à Babilônia.
2.
Não consigo admirar a enorme maioria dos formadores de opinião do
movimento evangélico (principalmente os que se valem da mídia). Conheço
muitos de fora dos palcos e dos púlpitos. Sei de histórias horrorosas,
presenciei fatos inenarráveis e testemunhei decisões execráveis. Sei que
muitas eleições nas altas cupulas denominacionais acontecem com
casuísmos eleitoreiros imorais. Estive na eleição para presidente de uma
enorme denominação. Vi dois zeladores do Centro de Convenções aliciados
com dinheiro. Os dois receberam crachá e votaram como pastores. Já
ajudei em “cruzadas” evangelísticas cujo objetivo se restringiu filmar a
multidão, exibir nos Estados Unidos e levantar dinheiro. O fim último
era sustentar o evangelista no luxo nababesco. Sou testemunha ocular de
pastores que depois de orar por gente sofrida e miserável debocharam
delas, às gargalhadas. Horrorizei-me com o programa da CNN em que
algumas das maiores lideranças do mundo evangélico americano apoiaram a
guerra do Iraque. Naquela noite revirei na cama sem dormir. Parecia
impossível acreditar que homens de Deus colocam a mão no fogo por uma
política beligerante e mentirosa de bombardear outro país. Como um
movimento, que se pretende portador das Boas Novas, sustenta uma guerra
satânica, apoiada pela indústria do petróleo.
3.
No momento em que o sal perde o sabor para nada presta senão para ser
jogado fora e pisado pelos homens. Não desejo me sentir parte de uma
igreja que perde credibilidade por priorizar a mensagem que promete
prosperidade. Como conviver com uma religião que busca especializar-se
na mecânica das “preces poderosas”? O que dizer de homens e mulheres que
ensinam a virtude como degrau para o sucesso? Não suporto conviver em
ambientes onde se geram culpa e paranoia como pretexto de ajudar as
pessoas a reconhecerem a necessidade de Deus.
4.
Não consigo identificar-me com o determinismo teológico que impera na
maioria das igrejas evangélicas. Há um fatalismo disfarçado que enxerga
cada mínimo detalhe da existência como parte da providência. Repenso as
categorias teológicas que me serviam de óculos para a leitura da Bíblia.
Entendo que essa mudança de lente se tornou ameaçadora. Eu, porém,
preciso de lateralidade. Quero dialogar com as ciências sociais. Preciso
variar meus ângulos de percepção. Não gosto de cabrestos. Patrulhamento
e cenho franzido me irritam . Senti na carne a intolerância e como o
ódio está atrelado ao conformismo teológico. Preciso me manter aberto à
companhia de gente que molda a vida, consciente ou inconsciente, pelos
valores do Reino de Deus sem medo de pensar, sonhar, sentir, rir e
chorar. Desejo desfrutar (curtir) uma espiritualidade sem a canga pesada
do legalismo, sem o hermético fundamentalismo, sem os dogmas estreitos
dos saudosistas e sem a estupidez dos que não dialogam sem rotular.
Não,
não abandonarei a vocação de pastor. Não negligenciarei a comunidade
onde sirvo. Quero apenas experimentar a liberdade prometida nos
Evangelhos. Posso ainda não saber para onde vou, mas estou certo dos
caminhos por onde não devo seguir.
Soli Deo Gloria
Fonte: http://www.creio.com.br/2008/noticias01.asp?noticia=17218
PS.: Que coragem! Todo meu respeito e toda minha admiração pelo Pastor Ricardo Gondim. Deus o abençoe.