segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Imagem e semelhança de Deus X demonização do “eu”

Rm 5.15-21.

A Bíblia nos ensina que o homem foi feito a imagem e semelhança de Deus (Gn 1.26). Essa verdade resolve a nossa questão quanto ao sentido da vida. Ou seja, nós fomos feitos para expressarmos a Deus enquanto somos um com ele, assim como foi Jesus Cristo homem (“para que todos sejam um, Pai, como tu estás em mim e eu em ti. Que eles também estejam em nós, para que o mundo creia que tu me enviaste. Dei-lhes a glória que me deste, para que eles sejam um, assim como nós somos um: eu neles e tu em mim. Que eles sejam levados à plena unidade, para que o mundo saiba que tu me enviaste, e os amaste como igualmente me amaste.” Jo 17.21-23). Jesus foi o humano mais humano que existiu. Ele foi a concretização do sonho de Deus a respeito da humanidade. Depois da transgressão, ele foi o primeiro de muitos. O primeiro do novo processo de criação de todas as coisas (2Co 5.17). O inverso disso é a demonização do “eu” à exemplo do ocorrido com Satanás e seus anjos.

Quando os setenta discípulos de Lucas 10 voltaram exultantes pelo fato de os espíritos imundos se lhes submeterem, Jesus os advertiu de que se alegrassem é pelo fato de terem seus nomes escritos nos céus, pois ele mesmo havia visto “Satanás caindo do céu como relâmpago” (v. 18). Essa expressão de Jesus pode ser uma referência ao texto do profeta Isaías, comumente entendido como referente à Satanás e seu pecado (“Como você caiu dos céus, ó estrela da manhã, filho da alvorada! Como foi atirado à terra, você, que derrubava as nações! Você que dizia no seu coração: “Subirei aos céus; erguerei o meu trono acima das estrelas de Deus; eu me assentarei no monte da assembléia, no ponto mais elevado do monte santo. Subirei mais alto que as mais altas nuvens; serei como o Altíssimo”.” Is 14.12-14). O texto mostra que o Diabo se ensoberbeceu e desejou a glória do Altíssimo, de modo a fazer-se semelhante a Ele. Essa semelhança, porém, não era como a concedida aos filhos de Adão, como C. S. Lewis gosta de chamar, mas era uma semelhança que fazia atrair para si mesmo o mérito por todas as coisas, e o governo de tudo. Aqui, nós encontramos duas propostas diferentes, e por que não, opostas, em relação a ser semelhante a Deus. 

Contrária à vontade de Deus, a proposta de Satanás, e que foi acolhida por seus anjos (Mt 25.41), é de demonização do ser, uma vez que o modelo proposto é o da glorificação do “eu”. Se pensarmos nas obras da carne listadas por Paulo, as quais são: “imoralidade sexual, impureza e libertinagem; idolatria e feitiçaria; ódio, discórdia, ciúmes, ira, egoísmo, dissensões, facções e inveja; embriaguez, orgias e coisas semelhantes” (Gl 5.19-21), poderemos então perceber que todas elas apontam para uma única direção: a alimentação do “eu” pelo prazer egoísta, que gera a ilusão de que tudo o que importa sou eu, ou a minha satisfação pessoal. Na proposta de Deus nós aprendemos a viver em comunidade (Mt 6.9-13), visto que Deus é uma comunidade de iguais (Gn 1.26; Jo 1.1-3,14; Lc 3.21-22); aprendemos a nos doar (Jo 3.16; Mt 20.28; “Seja a atitude de vocês a mesma de Cristo Jesus, que, embora sendo Deus, não considerou que o ser igual a Deus era algo a que devia apegar-se; mas esvaziou-se a si mesmo, vindo a ser servo, tornando-se semelhante aos homens. E, sendo encontrado em forma humana, humilhou-se a si mesmo e foi obediente até a morte, e morte de cruz!” Fl 2.5-8); e nesse processo, aprendemos que ser imagem e semelhança de Deus é ser humano conforme o exemplo de Jesus de Nazaré. E ser humano à moda do Cristo de Deus é esvaziar-se. É ter o outro por maior estima do que a sim mesmo. É se permitir viver numa comunidade de amor formada por Deus, por mim e pelo outro. É amar com a consciência de que fomos imerecidamente amados primeiro. E que, “Se alguém afirmar: “Eu amo a Deus”, mas odiar seu irmão, é mentiroso, pois quem não ama seu irmão, a quem vê, não pode amar a Deus, a quem não vê” (1Jo 4.20).

A questão, portanto, é no que queremos nos tornar enquanto caminhamos, homens e mulheres humanizados, ou demonizados. Aos que tem sede por sentido na vida, e desejam encontrá-lo em Deus, fica a recomendação do apóstolo Paulo aos filipenses: “Seja a atitude de vocês a mesma de Cristo Jesus” (Fl 2.5).

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Perdão

Mt 18.21-35
No ambiente do reino o perdão não é uma opção, mas uma exigência, posto que a entrada no reino não se dá de outra forma, senão por perdão recebido. Jesus ensina que os misericordiosos encontrarão misericórdia, porque são generosos em compartilhar o que de graça – ou por graça – receberam. No entanto, os que deliberam justiça e juízo, justiça e juízo receberão, ao invés de misericórdia, visto que deste modo, excluem a si mesmos do gracioso ambiente de relacionamentos entrelaçados por gratidão e generosidade.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

A Graça de Sermos Cooperadores

“Quando Jesus saiu de barco e viu tão grande multidão, teve compaixão deles e curou os seus doentes. Ao cair da tarde, os discípulos aproximaram-se dele e disseram: “Este é um lugar deserto, e já está ficando tarde. Manda embora a multidão para que possam ir aos povoados comprar comida”. Respondeu Jesus: “Eles não precisam ir. Dêem-lhes vocês algo para comer”. Eles lhe disseram: “Tudo o que temos aqui são cinco pães e dois peixes”. “Tragam-nos aqui para mim”, disse ele. E ordenou que a multidão se assentasse na grama. Tomando os cincos pães e os dois peixes e, olhando para o céu, deu graças e partiu os pães. Em seguida, deu-os aos discípulos, e estes à multidão. Todos comeram e ficaram satisfeitos, e os discípulos recolheram doze cestos cheios de pedaços que sobraram. Os que comeram foram cerca de cinco mil homens, sem contar mulheres e crianças.” Mt 14.14-21

A riqueza desse episódio dos evangelhos é, creio eu, impossível de mensurar. Portanto, o que se pode aprender aqui, jamais se pode esgotar numa meditação. Mas assim como a uma fonte perene não nos dirigimos senão na expectativa de uma determinada porção de água, assim nos debruçamos por aqui mais uma vez. 

A primeira coisa que me chama a atenção neste texto me remete ao capítulo anterior, quando Jesus explicava aos seus discípulos a razão de falar às multidões que o seguiam, apenas por meio de parábolas. “Ele [Jesus] respondeu: “A vocês foi dado o conhecimento dos mistérios do Reino dos céus, mas a eles não” (v. 11).” Por alguma razão – a qual eu penso que só o Senhor mesmo pode conhecer – a alguns “é dado a conhecer dos mistérios do Reino dos céus”, ou seja, é concedida, por meio de graça, revelação do Senhor, mas de outros essa revelação é retida. E esse era o caso da multidão que testemunhou esse incrível episódio da primeira multiplicação dos pães. A maior prova disso está na narrativa feita por João, que deixa claro que mesmo depois de ter visto o sinal miraculoso de Jesus, o povo só conseguiu relacioná-lo a um grande profeta, mais do tipo de Moisés, e menos do tipo do Messias esperado. Para ficar ainda mais claro, João salienta a intenção do povo de fazê-lo rei à força, o que demonstra total confusão, no que se refere à compreensão da mensagem pregada por Jesus, e da sua nova proposta de vida – “Depois de ver o sinal miraculoso que Jesus tinha realizado, o povo começou a dizer: “Sem dúvida este é o Profeta que devia vir ao mundo”. Sabendo Jesus que pretendiam proclamá-lo rei à força, retirou-se novamente sozinho para o monte.” Jo 6.14-15. Bem, este fato, no entanto, o da ‘não revelação’, não impediu que Jesus tivesse compaixão por aquelas pessoas, de modo a curar seus doentes e a não deixá-los partir com fome. Isso me faz lembrar o quanto somos, na maioria das vezes, equivocadamente seletivos quanto a quem “ajudamos” ou continuamos a ajudar. Nós nos viciamos em resultados. Servir por misericórdia não basta. Se o “indivíduo” não se converter ao nosso grupo ou visão em dois tempos, “corta-lhe a cesta básica”! A mensagem de não permitir que a mão esquerda veja o que a direita fez, ou a de dar sem esperar nada em troca, ou sem olhar a quem, a gente teima em não levar tanto em conta, como se esses ensinamentos tivessem importância secundária. 

Outro aprendizado que ganho netse momento, está também atrelado à narrativa de João. Jesus pergunta a Filipe sobre algum lugar onde poderiam comprar pão para o povo comer, e então João comenta: “Fez essa pergunta apenas para pô-lo à prova, pois já tinha em mente o que ia fazer.” Jo 6.6. Além de notarmos a intenção de ensinar os discípulos a terem iniciativa de chamarem a responsabilidade para si, de serem proativos, mesmo, diante das circunstâncias relacionadas a eles mesmos e especialmente a outros, no intuito de ajudar (“Onde compraremos pão para esse povo comer?” Jo 6.5b), também podemos ver que Jesus estava bem à frente dos discípulos, também no que se refere ao plano a ser posto em prática naquela ocasião. Isso me leva a compreensão de que nem sempre nos damos conta de que o Senhor está sempre à nossa frente. Frequentemente nós nos colocamos a orar por alguns projetos, ou algumas situações, com a postura de quem quer dizer a Deus o que fazer, ou como as coisas devem acontecer. Na verdade, nós não entendemos que Deus está trabalhando, sempre antes de nós! Esse texto, na realidade, nos trás um rico ensinamento sobre o nosso papel como servos de Deus. Ele nos lembra que nossa posição não é outra, senão a de cooperadores de Deus na sua obra. Deus é soberano. E os seus planos são sobremaneira mais excelentes que os nossos. Ele não está ocioso e sisudo em seu trono branco esperando ser convencido por nós a fazer algo de bom por aqui! Ele está em movimento, e sempre à nossa frente. E a nossa postura de oração e prática de vida deve ser sempre a de buscar dele mesmo, a compreensão do que ele está fazendo, e do que nós devemos fazer para não perdermos o privilégio de sermos seus cooperadores. Deus tem os seus planos. E ele vai executá-los, com ou sem a nossa ajuda, porque ele é o soberano Senhor. Mas ele espera de nós que cooperemos com ele. Por isso a nossa postura deve ser sempre a de quem deseja descobrir dele, por meia da comunhão, da oração, como nós podemos cooperar com ele, em sua obra na vida de nossa família, de nossa comunidade de fé, na vida da minha esposa, do meu esposo, de meu filho, de meus pais, de meu amigo, visinho, colega, e etc.

Ser cooperador do Senhor em suas ações é um privilégio, mas que exige como requisito a disposição de viver segundo o coração de Deus, e ter a mente de Cristo. A comunhão com o Senhor é o caminho. E essa comunhão se configura pela relação cheia de misericórdia e desprovida de preconceito com o nosso próximo, ainda que este não seja tão próximo assim; pela leitura e meditação da palavra de Deus; e pela oração que se faz numa conversa, onde além de falar, também ouvimos o Senhor, movendo-nos em direção ao seu próprio coração, de modo que, submissos e cheios de gratidão, nos juntamos a ele em seu constante movimento de sabedoria e graça.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

E Encontrareis Descanso...


“Venham a mim, todos os que estão cansados e sobrecarregados, e eu lhes darei descanso. Tomem sobre vocês o meu jugo e aprendam de mim, pois sou manso e humilde de coração, e vocês encontrarão descanso para as suas almas. Pois o meu jugo é suave e o meu fardo é leve”. Mt 11.28-30

O décimo primeiro capítulo do evangelho de Mateus começa com a descrição do episódio da dúvida de João, o Batista, a respeito do fato de Jesus ser o Cristo que os Judeus esperavam ou não, se eles deveriam esperar outro. A dúvida de João é fruto de sua visão sobre o ministério do Cristo de Deus. João esperava um Jesus com mão de ferro e poder de guerra suficiente para libertar seu povo de Roma em questão de dias, e não um Jesus manso, amigo de pecadores, que curava doentes e libertava loucos possessos.

“Jesus respondeu: “Voltem e anunciem a João o que vocês estão ouvindo e vendo: os cegos vêem, os aleijados andam, os leprosos são purificados, os surdos ouvem, os mortos são ressuscitados, e as boas novas são pregadas aos pobres; e feliz é aquele que não se escandaliza por minha causa””. Mt 11.4-6

A partir do vigésimo versículo, Jesus começa a denunciar as cidades que testemunharam seus milagres, mas mesmo assim não conseguiram reconhecer esses milagres como sinais do reino de Deus que ora era vindo no Messias. Faltava-lhes fé para isso.

“Ai de você, Corazim! Ai de você, Betsaida! Porque se os milagres que foram realizados entre vocês tivessem sido realizados em Tiro e Sidom, há muito tempo elas se teriam arrependido, vestindo roupas de saco e cobrindo-se de cinzas.” Mt 11.21

Por certo, assim como Jesus não parecia absolver João por sua falta de visão, com o risco deste, inclusive, perder-se no escândalo (“e feliz é aquele que não se escandaliza por minha causa”. Mt 11.6), também não absolvia os povos daquelas cidades. Jesus, na verdade, explana sobre a disposição do Pai em revelar as riquezas do reino aos pequeninos, aos humildes.

“Eu te louvo, Pai, Senhor dos céus e da terra, porque escondeste estas coisas dos sábios e cultos, e as revelaste aos pequeninos.” Mt 11.25.

O Propósito de Deus, sempre foi o de revelar-se ao homem, antes por meio da Lei e dos profetas, e ora por meio de seu Filho Jesus (Hb 1.1-3). Agora, a soberania quanto a quem revelar o Pai estava nas mãos de Jesus (“Todas as coisas me foram entregues por meu Pai. Ninguém conhece o Filho a não ser o Pai, e ninguém conhece o Pai a não ser o Filho e aqueles a quem o Filho quiser revelar.” Mt 11.27). E Jesus abriu o leque da graça mais uma vez. Ele disse, todos os que forem humildes para reconhecer seu cansaço, sua sobrecarga causada pelo pecado ou pelos percalços da vida, venham a mim. Esses próprios judeus aos quais Jesus falava, viviam sobrecarregados pelo jugo da Lei, do qual Pedro declarou: “nem nós nem nossos antepassados conseguimos suportar” At 15.10. É claro que Jesus não oferecia uma vida fácil, sem responsabilidades. Não! Jesus oferecia uma caminhada de retidão. Mas que não seria solitária. Seria sim, resultado de um relacionamento. Seria uma caminha a dois, e durante as trocas de passos, o peso seria aliviado pela compreensão da vida a partir dos olhos do próprio Jesus. Ter a visão de Jesus para caminhar faz toda a diferença. Se caminharmos com Jesus, mesmo quando passarmos pelo vale de trevas e morte, não precisamos ter medo algum, como disse Davi no Salmo 23. E passamos por trevas, por tempos sombrios de doenças, de perseguição, de incompreensão, de injustiça, de desonra e até de morte! Mas se nós estivermos com Ele, sua presença nos cobrirá sempre de esperança, porque Ele estará conosco. Quando a nossa relação com o Jesus das Escrituras Sagradas não é apenas nominal, nós sentiremos a dor quando ela nos abater, sentiremos a traição e a desonra quando delas formos vítimas, choraremos a morte quando ela nos sobrevier, mas nesses dias de sombras, seremos também mais humanos porque estaremos aprendendo com o Filho do Homem, que é a manifestação plena do sonho de Deus para a humanidade. Seremos mais maduros para entendermos que o que vemos não é tudo que há. Teremos a visão do eterno, que transcende as barreiras do aqui e do agora. Seremos, então, como disse o pastor Ed René Kivitz em Outra Espiritualidade, “mais capaz[es] de amar com a lucidez que escolhe as coisas mais excelentes e mais capaz[es] de enfrentar com dignidade toda e qualquer situação.”

“Venham a mim, todos os que estão cansados e sobrecarregados, e eu lhes darei descanso. Tomem sobre vocês o meu jugo e aprendam de mim, pois sou manso e humilde de coração, e vocês encontrarão descanso para as suas almas. Pois o meu jugo é suave e o meu fardo é leve”. Mt 11.28-30

Que a graça de Jesus nos alveje com a fé e com a disposição necessária para nos arrependermos hoje, de escolhermos andar por conta própria nossa caminhada diária. Que aprendamos do Senhor, para sermos mansos e humildes perante as circunstâncias da vida. Que aceitemos o seu convite para a intimidade de um relacionamento que nos faça caminhar aqui com os olhos não apenas aqui, mas principalmente no além, de onde viemos e para onde voltaremos.

Porque o seu jugo é suave e seu fardo é leve, a ele a glória.